7 ações que fortalecem a educação infantil , segundo Claudia Costin

Nesta entrevista exclusiva para nosso blog, ela compartilha suas vivências pelo mundo e sua experiência como Secretária da Educação do município do Rio de Janeiro.

Fundação Maria Cecília Souto Vidigal – Claudia, atuando no Banco Mundial, tendo contato com tantas realidades, como você avalia a forma como o tema da educação infantil tem sido tratado pelo mundo?
Claudia Costin – Vivemos um momento de uma importância particular. Em setembro de 2015, a ONU definiu os objetivos para o desenvolvimento sustentável (ODS), a serem alcançados em 2030. Um deles, o ODS4, sobre educação, tem um subitem específico (4.2) para a educação infantil, indicando que até 2030 asseguremos a todas as crianças acesso ao desenvolvimento da Primeira Infância, ao cuidado e à educação de qualidade, preparando-as para sua trajetória na educação básica. Essa meta também está relacionada a uma meta da saúde, a redução da desnutrição infantil crônica (meta 2.2) em até 40%, porque já se sabe que a desnutrição, especialmente nos primeiros mil dias de vida, causa danos incalculáveis ao desenvolvimento e, consequentemente, à aprendizagem. Hoje temos cerca de 159 milhões de crianças no mundo com desnutrição severa. Também já é fato que não bastam a alimentação e os estímulos cognitivos para uma arquitetura do cérebro saudável. O vínculo, o afeto, um ambiente favorável, o acolhimento têm influências extremamente positivas na vida adulta e na aprendizagem. Pelo que tenho visto e pesquisado pelo mundo, os programas que enfatizam a nutrição, a estimulação precoce e o vínculo combinados são os que mais dão certo para a Primeira Infância.

FMCSV – Ou seja, crianças expostas a situações de vulnerabilidade extrema podem ter a aprendizagem prejudicada.
CC – Sim. A criança submetida ao estresse tóxico na Primeira Infância pode interpretar a sala de aula, como bem mostra Paul Tough em seu livro recém lançado, Helping Children Succeed, como um território inimigo, de confrontos e conflitos. Nem sempre o professor está preparado para entender a situação e, por desconhecimento, acaba, por vezes, com sua conduta, reforçando a ideia de que é mesmo um ambiente hostil. Daí uma parte da violência escolar emerge.

FMCSV – Na cidade do Rio de Janeiro, como Secretária da Educação (2009-2014), qual foi seu maior desafio?
CC – O desafio mais visível era a falta de vagas nas creches. O prefeito tinha se comprometido a aumentá-las consideravelmente, mas essa ampliação teria de garantir qualidade também. Pesquisas indicam que creches sem qualidade fazem mal à criança. É melhor ela ficar com um adulto de referência, em casa, do que frequentar um espaço educativo ruim. A população do Rio de Janeiro é muito grande e iniciativas como esta requerem um trabalho articulado, porque quanto mais vagas são criadas, mais aumenta a demanda. Por isso, para que a mudança acontecesse com equilíbrio, seguimos um princípio básico para definir as ações, o da expansão com qualidade e equidade.

FMCSV – Você pode enumerar quais ações foram realizadas?
CC – Realizamos sete grandes ações na educação infantil, juntamente com a fantástica equipe de educadores do município:
1. Colocamos, progressivamente, professores nas creches. Já havia a figura do professor articulador, que exercia o papel de coordenador pedagógico. Mas boa parte da atenção à criança na creche era exercida pelo agente auxiliar, um profissional concursado que tinha apenas, como exigência para o cargo, o Ensino Fundamental completo. Por isso, oferecemos o curso de Magistério a todos os auxiliares de creches que quiseram cursá-lo e, em seguida, abrimos concurso público para professor de Educação Infantil, cargo que criamos para esta importante etapa. Os que passaram foram nomeados professores, junto aos novos profissionais aprovados no certame. O objetivo era ter um professor em cada sala.

2. Construímos prédios pensados para esta etapa tirando as crianças pequenas, de 4 e 5 anos, das escolas grandes, com alunos adolescentes. Criamos os EDIs (Espaços de Desenvolvimento Infantil) com tudo o que é necessário para favorecer o desenvolvimento da criança e o trabalho dos educadores, com espaços abertos, livros em todas as salas, que foram desenhadas seguindo algumas ideias da proposta Montessoriana, dentre outros recursos focados na Primeira Infância. Construímos cerca de 150 EDIs com 150 crianças em média em cada uma. Nessa época, a área de Saúde do município também passava por reformulações para criar as Clínicas de Saúde da Família (postos de atendimento). Sugerimos que fossem construídas junto às EDIs. Essa iniciativa permitiu mais integração entre as áreas, além de facilitar as vacinações, as consultas ao pediatra, as orientações para os pais sobre a saúde e bem-estar de seus filhos.

3. Priorizamos o acesso à população de baixa renda. Por isso, direcionamos as vagas a crianças de famílias cadastradas no Programa Bolsa Família, alunos que, sem essa oportunidade, podem ter menos chance de sucesso na escola e na vida.

4. Adotamos um currículo de educação infantil, inspirando-nos nos parâmetros curriculares que já existiam, mas indo além, definindo expectativas de aprendizagem para as crianças menores, o que facilitou o planejamento para a aquisição de materiais, a capacitação dos professores, a estruturação da carga horária, centrada em um brincar mais solto e livre, mas com intencionalidade pedagógica clara.

5. Abrimos os EDIs aos pais de crianças que não tinham conseguido vagas nas creches ou que optaram por não levar seus filhos à escola. Três sábados por mês eles se reuniam para participar de cursos ministrados por profissionais da educação, da saúde e da assistência social. Recebiam orientações de como estimular as crianças, ler para elas, como cuidar de bebês, sobre a importância do vínculo. Cada espaço aberto ao Curso de Pais contava com uma biblioteca circulante de livros de bebês e os pais eram orientados a como ler com os filhos (mesmo que eventualmente iletrados) e a como fazer da leitura um momento afetivo para a família.

6. Criamos uma transição mais suave da pré-escola para o primeiro ano de alfabetização, trabalhando a consciência fonética, intensificando a leitura e a presença dos livros na sala. Passamos também a organizar uma semana de alfabetização, a cada ano, reunindo professores de educação infantil e os do 1º ao 3º ano para criar essa continuidade.

7. Investimos em avaliação para permitir melhoria contínua da Educação Infantil, seja a avaliação do desenvolvimento da criança, por meio dos cadernos de registros para que pais e professores pudessem acompanhar a sua evolução, como a avaliação institucional, do trabalho do EDI. Também monitoramos o desenvolvimento das crianças, durante três anos, por meio de uma pesquisa estruturada pelo economista Ricardo Paes de Barros. Treinamos os educadores para fazer esse acompanhamento e foi bem interessante porque pudemos aperfeiçoar e desenvolver atividades melhores para os EDIs.

Na segunda parte desta entrevista, Claudia Costin vai analisar os cinco pontos fortes e os cinco pontos frágeis da educação infantil brasileira. Por isso, continue nos acompanhando. Vale lembrar que Claudia será uma das palestrantes do evento “Educação 360º – Educação Infantil”, dia 30 de junho de 2016.

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