Entrevista – Especialista reforça importância da educação infantil na Base Nacional Comum Curricular

Veja a entrevista da pesquisadora em educação infantil, Beatriz Abuchaim, da Fundação Carlos Chagas sobre o tema. Vale a pena conferir!

Ela conversou com a gente para dar a sua opinião sobre como a educação infantil está presente na terceira versão da Base Nacional Comum Curricular.

Para ela, garantir o diálogo e a participação das pessoas na construção desse documento pode fazer diferença no aprendizado da criança nos primeiros anos de vida.

Fundação Maria Cecilia – Beatriz, gostaríamos de saber a sua opinião sobre os tópicos da educação infantil que são tratados na terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Beatriz Abuchaim – De forma geral, acho que podemos considerar um avanço para a área da educação infantil a sua participação na BNCC. As descrições dos objetivos de desenvolvimento/aprendizagem e das experiências que as crianças devem ter ao longo da educação infantil podem se tornar importantes orientadores das práticas docentes.

Em relação à terceira versão, em comparação com a segunda, acho que houve alguns retrocessos. Foi feita uma síntese nos textos introdutórios, que acaba por excluir noções importantes sobre a trajetória da educação infantil brasileira.

Há uma abreviação na explicação de concepções (como a de campo de experiência), que empobreceu o documento, tornando fraca a conexão entre a BNCC e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI).

É importante salientar que essa conexão é fundamental, uma vez que as Diretrizes possuem um caráter mandatório e por isso devem ser seguidas por todas as unidades de educação infantil.

Fundação – Quais aspectos você considera que poderiam ter sido melhor tratados nessa terceira versão?
BA – Outro aspecto, por exemplo, abordado nas DCNEI, que deveria ser tratado na BNCC, é a organização de tempos, espaços e materiais, como elementos constituintes da prática pedagógica na educação infantil. No que diz respeito à estrutura do documento, houve uma separação no texto da descrição do campo de experiência e de seus objetivos, o que certamente dificulta o entendimento do leitor. Também não fica claro porque o título do campo de experiência “Escuta, fala, pensamento e imaginação” foi alterado para “Oralidade e escrita”. Parece que o sentido desse campo ficou bastante restrito, se resumindo a linguagem oral e escrita, quando o título anterior dava uma noção de processos de pensamento mais abrangentes. Olhando minuciosamente, penso que alguns objetivos deveriam ser revistos por apresentarem uma inadequação à faixa etária correspondente.

Fundação – Você acha que, em sua maioria, as redes de ensino municipais, creches e pré-escolas estão preparadas para a implementação da Base a partir de 2019? Por quê?
BA – Após a elaboração de um documento como esse, espera-se que existam debates e ações de formação para que profissionais, tanto das secretarias, quanto das unidades educativas, possam se apropriar do documento. É muito importante que se construam diálogos a partir do texto, em que se expressem concordâncias, mas também questionamentos. A implementação de um currículo passa por uma reflexão crítica dos docentes, que lhes permita reconfigurar suas práticas, incorporando aspectos do documento que façam sentido no seu cotidiano de trabalho.

Fundação – Como você vê o atual quadro de professores para essa faixa etária. Eles estão preparados para seguir as orientações previstas na base? Por quê?
BA – Os professores de educação infantil, em sua maioria, estão formados como pedagogos. Muito se tem discutido sobre a adequação do curso de Pedagogia na formação destes docentes. O currículo dos cursos é bastante abrangente, permitindo que o futuro pedagogo possa atuar em diversos campos. Isso acaba por deixar de fora especificidades do trabalho na educação infantil, principalmente aquelas ligadas à prática pedagógica. Assim, muitas vezes temos profissionais com um saber bem construído sobre educação, mas não necessariamente pedagogicamente formados para atuarem na educação infantil. Então, para esses profissionais talvez seja um desafio implementar o que está colocado na BNCC, mas também uma oportunidade de aprender sobre a educação de bebês e crianças pequenas. Ações de formação continuada nas unidades de educação infantil serão imprescindíveis no processo de apropriação do documento.

Fundação – Como você analisa o respeito à diversidade étnico-cultural nessa terceira versão? Ele é contemplado e bem fundamentado como uma premissa?
BA – Na minha opinião, esse é um ponto fraco do documento. A diversidade étnico-cultural brasileira é apresentada de forma bastante consistente nas Diretrizes, mas na BNCC esse tema é pouco abordado. Acho que deveriam rever essa questão, pois ela está intimamente ligada à construção da identidade das crianças como pertencentes a uma família e a uma comunidade, com características próprias, que devem ser valorizadas e respeitadas.

Fundação – A Base Comum traz componentes que envolvam a família da criança para fortalecer vínculos parentais por meio da educação infantil?
BA – Creio que aborda essa questão de forma muito passageira. O tema é de extrema relevância para a primeira infância e deveria ser aprofundado. Há estudos brasileiros que mostram que as relações entre as famílias e as unidades de educação infantil costumam ser muito superficiais. Seria importante que a BNCC alertasse para a importância desta relação para os processos de desenvolvimento e aprendizagem das crianças.

Fundação – Quais são as suas expectativas com relação à revisão da terceira versão, a partir das consultas públicas que começarão em julho?
BA – Espero que haja um amplo debate com a participação de diversos setores da sociedade. Seria muito importante que a equipe responsável considerasse a participação efetiva dos especialistas da área que redigiram as duas primeiras versões e ficaram anos debruçados sobre o documento. Essa integração de olhares me pareceria fundamental, uma vez que a BNCC não é o documento de um governo e, sim, a política curricular para a educação infantil do País.

Beatriz Abuchaim é psicóloga, doutora em Educação/Currículo pela PUC-SP e pesquisadora na área da educação infantil da Fundação Carlos Chagas.

Os pontos de vista contidos no texto são de responsabilidade do entrevistado e não necessariamente representam o ponto de vista da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

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