infância

Com edital Saving Brains, projeto brasileiro é referência no desenvolvimento de prematuros

O foco das intervenções são as famílias desses bebês, especialmente as mães. Confira nesta entrevista com Claudia Regina Lindgren Alves

Selecionado no edital de 2014, o projeto Cuidar & Crescer Juntos (C&C) trouxe inovação e eficiência ao desenvolvimento infantil de crianças prematuras. Uma das idealizadoras da intervenção, o passo a passo dessa construção, desde que o C&C foi apoiado pelo programa Saving Brains.

Fundação Maria Cecilia – Claudia, conte para a gente como você soube do edital do Saving Brains.
Claudia Regina Lindgren Alves – Soube do Edital pela equipe do Center on Developing Child (CDC) da Universidade de Harvard (Boston-MA). Eu já vinha a algum tempo procurando outros grupos de pesquisa que trabalhassem estratégias para a promoção do desenvolvimento infantil e tive oportunidade de conhecer o grupo do CDC durante um treinamento em Boston em 2013. Foram eles também que me apresentaram a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMC) e informaram que em breve sairia um edital do Grand Challenges Canada (GCC), exatamente na linha de pesquisa que eu estava procurando. Daí em diante, fiquei atenta ao site da Fundação e do GCC e quando saiu o edital submetemos nosso projeto Cuidar & Crescer Juntos (C&C) e fomos um dos três projetos brasileiros selecionados.

Fundação – Existem diferenciais entre esse edital e outros da área?
CR – Sim, com certeza! A primeira coisa que me chamou a atenção nesse edital foi o conceito da inovação integrada, fundamentado em três premissas principais: produção de conhecimento com base em evidências científicas, que responda a uma demanda social e que seja economicamente viável para contextos de média e baixa renda. Foi isso que realmente nos animou porque sempre trabalhamos com esta lógica – buscar soluções efetivas para problemas concretos. Nem sempre é um enfoque é valorizado pelas agências financiadoras.

Fundação – Explique como é o C&C, projeto selecionado pelo edital.
CR – O projeto C&C é uma parceria da UFMG com o Hospital Sofia Feldman – a maior maternidade pública de Minas Gerais e referência para partos de alto risco no Estado. Eu e a professora Lívia de Castro Magalhães, terapeuta ocupacional e uma das coordenadoras do Ambulatório para Crianças de Risco do Hospital das Clinicas da UFMG (ACRIAR), vínhamos estudando sobre o desenvolvimento de crianças nascidas prematuras e resolvemos nos unir ao grupo do Hospital Sofia Feldman. A ideia foi qualificar esse serviço, introduzindo uma abordagem psicossocial para as famílias de prematuros, sob a forma de grupos de mães/famílias, visando reduzir o estresse parental no cuidado com seus filhos nascidos prematuramente, fortalecer o vínculo criança-família-profissionais e promover o desenvolvimento infantil.

Fundação – Para desenvolver o projeto, vocês se pautaram em algum método já existente, que pudesse inspirá-los?
CR – Sim. Buscamos o referencial teórico do método Newborn Behavior Observation (NBO) do Brazelton Institute para nortear nossas intervenções com os pais. Esse método procura reconhecer a individualidade da criança e como ela se expressa por meio de seus comportamentos, ajudando os pais a responder melhor às necessidades eela, oferecendo os estímulos adequados em cada situação. Isto aumenta o sentimento de autoconfiança dos pais e fortalece o vínculo com seus filhos.

Fundação – Qual foi o primeiro passo para implementar essa ideia?
CR – Começamos por tentar identificar as necessidades das famílias dos prematuros. O Hospital Sofia Feldman já possui uma abordagem baseada na humanização do cuidado com as famílias e seus bebês durante o tempo que estavam na maternidade e também no seguimento ambulatorial. No entanto, percebemos que o nascimento prematuro era um fator ainda mais estressante para as famílias, e principalmente para as mães, com poucos recursos financeiros, uma vez que ao irem para casa nem sempre conseguiam o apoio e as condições necessários para atender às necessidades de seus filhos. A literatura mostra que situações como estas trazem prejuízos tanto para as mães como para os bebês, por isso a ideia de investir no apoio e no empoderamento das famílias para cuidar de seus bebês prematuros, abrindo espaço para que as mães pudessem falar de suas angústias e preocupações e compartilhar experiências positivas com outras mães na mesma situação. Vários estudos têm mostrado que programas com esse foco são os que têm melhor custo-benefício. O investimento é menor e o retorno para o bem-estar da criança é maior.

Fundação – Como vocês envolvem a família no projeto?
CR – Convidamos as famílias para participar do projeto enquanto ainda estavam na Casa do Bebê, um espaço anexo ao hospital. Antes da alta hospitalar, as mães participavam da primeira sessão em grupo e depois participavam de outras sessões no ambulatório, durante o atendimento pediátrico e da avaliação do desenvolvimento da criança. O projeto foi previsto para o acompanhamento das crianças por um ano, mas muitas continuaram conosco até os 24 meses. Foram no mínimo seis sessões em grupo por criança durante o primeiro ano de vida. Um grupo de famílias participou desta intervenção e outro grupo só recebeu o atendimento individual (grupo controle) para que pudéssemos avaliar os efeitos da abordagem. Produzimos também o “Livro do Bebê” e o manual de aplicação dessa intervenção para que os profissionais da atenção primária pudessem replicar a metodologia em seus serviços.

Fundação – Na prática, como acontece o projeto?
CR – As sessões em grupo são organizadas com crianças da mesma faixa etária e sempre há uma atividade em que as mães preparam alguma coisa para a estimulação adequada do bebê naquela idade. Elas são convidadas a confeccionar brinquedos (chocalhos, livrinhos, por exemplo) para os filhos, fortalecendo a interação, por meio do brincar. Conversamos sobre o que é relevante no desenvolvimento da criança em cada etapa, mas também sobre os desafios que isso representa para as mães, como elas estão se sentindo, que estratégias têm encontrado para lidar com situações difíceis, como o sono, as birras, a prevenção de acidentes etc.

Fundação – Vocês avaliaram o impacto do projeto nessas famílias?
CR – Sim, ainda estamos avaliando! Considerando os desfechos principais do projeto – redução do estresse parental, fortalecimento do vínculo e promoção do desenvolvimento infantil – os resultados preliminares são animadores. Quando comparamos o desenvolvimento das crianças que receberam a intervenção com as do grupo controle, encontramos melhores desempenhos na área da linguagem receptiva nas crianças cujas mães participaram das sessões em grupos do que nas demais no primeiro ano de vida. Houve também uma redução da chance da mãe ainda estar com sintomas de depressão pós-parto aos 9 meses no grupo que recebeu a intervenção. Sobre o vinculo criança-mãe, usamos uma técnica de análise de videoclipes para avaliar a interação da mãe com a criança aos doze meses e vimos menor prevalência de comportamentos afetivos, educativos, de encorajamento e de responsividade no grupo controle. As mães são unânimes em dizer que se sentiram acolhidas, que suas preocupações foram ouvidas e valorizadas e que isto melhorou sua autoestima. Parece-nos que este foi o grande diferencial: tiramos o foco das demandas assistenciais da criança e colocamos na necessidade de apoio das mães para lidar com essas demandas.

Fundação – Para você, como profissional, o que significou participar do edital e ter o financiamento para o projeto?
CR – Além de poder realizar um grande projeto de pesquisa-intervenção, com rigor cientifico, mas, ao mesmo tempo, com forte impacto social, o edital Saving Brains tem uma característica muito importante que é o investimento na capacitação da equipe de pesquisadores em diversas áreas. Isto é essencial porque deixa um legado valioso para que as pesquisas e as intervenções sociais nessa linha temática continuem a acontecer independentemente da continuidade do financiamento. Além das reuniões anuais de intercâmbio com pesquisadores do mundo todo, participamos de webconferencias com experts em desenvolvimento infantil, estatística, metodologia cientificas etc. Nosso projeto também foi selecionado para participar do workshop sobre análise estatística e redação de artigos científicos ministrado em São Paulo pelo professor Anu Shankar, da Harvard. Sinto que saí muito mais preparada tecnicamente para realizar projetos como esse. Tudo isso é bem diferente de outros financiamentos dos quais já participei, que se resumiam ao repasse de recursos, uma prestação de contas e o relatório final. O edital foi um marco na minha vida pessoal e profissional.

O projeto C&C deu origem a materiais de apoio para profissionais que desejam realizar uma nova intervenção junto a famílias para garantir mais qualidade ao desenvolvimento infantil de bebês prematuros. Um deles é o Livro do Bebê, que você acessa aqui. Há também protocolos padronizados para avaliação do desenvolvimento infantil que estão sendo validados pela equipe do projeto,  disponíveis no endereço http://site.medicina.ufmg.br/observaped/wp-content/uploads/sites/37/2016/07/SWYC-portugues-kit-completo-12-07-2016.pdf

Não se esqueça! As inscrições para o edital Saving Brains de 2017 estarão abertas até 11 de outubro. É só clicar aqui para participar da seleção com seu projeto!

Prof. Claudia Regina Lindgren Alves possui graduação em Medicina, mestrado e doutorado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é professora associada II do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em saúde da criança, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento infantil, saúde da família, saúde coletiva e atenção primária à saúde.

As opiniões emitidas pelo entrevistado são de sua inteira responsabilidade e não necessariamente representam a opinião da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

Leia mais

Iniciativas inovadoras receberão apoio do programa Saving Brains